No dia das mães...

"O amor de mãe é o combustível que permite a um ser humano fazer o
impossível."

Marion Garretty

Memórias
(Parte I)




O poeta cantou em seus versos que mãe não deveria morrer. Acredito, porém que ela jamais morre quando se tem guardada na mente e no coração as melhores recordações, as lembranças mais fraternais e as memórias plenas de carinho. Esse carinho não necessariamente deve acontecer por muitos abraços e tantos outros beijos, também por estes, mas sim por gestos que na sua essência expressam, ainda que da forma mais peculiar possível, ternura. Uma ternura que faz aquecer o coração dos filhos, que os conduz muito tempo depois a refletirem sobre tudo o que passou, admirando então a maciez das pétalas quando só percebiam os espinhos que as cercavam, afinal, ternura é sinônimo de amor, e amor não significa facilidade.

Voltando às memórias, elas são algo profundamente íntimo. Todos possuem as suas, das mais particulares àquelas públicas, mas sempre com aquele quê de secreto, de próprio, de intrínseco à vida humana, que guardamos como precioso tesouro, pois estas memórias nos fazem voltar e reviver fatos que marcaram nosso passado. Memórias nas quais sulcos são abertos, sementes depositadas, o crescimento cultivado, os frutos colhidos e as podas são feitas para que a vida sobreviva.

Dentro de mim pulsam memórias vivas, de um passado não tão remoto, mas cheio de acontecimentos importantes nos quais hoje constato o amor e a dedicação com os quais foi rodeado. Incandescem em meu coração algumas memórias que considero, particularmente, importantes, e quando as contemplo, sou tomado de uma grande felicidade e gratidão.Por isso sinto necessidade de externar essa gratidão. Ora, como já dito antes, as memórias não foram feitas para obrigatoriamente serem colocadas no papel. Podem muito bem ficarem guardadas no âmago de cada um. Mas compartilho minhas memórias, como fizera a Emília de Lobato, o Sargento de Milícias ou postumamente o senhor Cubas, e assim mostro com quais elementos fui edificado até aqui.

Pois bem, recordo-me que quando criança, um dos meus maiores fastios era escrever. Pesava-me realizar tal tarefa; lembro-me que o dever escolar mais temido era esse: escrever uma redação, contar uma história, desenvolver um texto a partir de figuras. As operações da matemática, a prática da caligrafia, a contextualização da história, tudo isso preferia à produção de texto. Como era enfadonho tudo aquilo. E quando eu pousava o lápis sobre o rascunho, não me saia nada além da secura de uma descrição simples por demais.

Tudo bem, poderia pensar eu, naquela época tinha meus 8 anos, e uma criança nessa idade, se não for um gênio, não consegue escrever muitas elaboradas linhas. Mas a questão era que nem poucas linhas eu conseguia escrever. E quando por ventura fazia isso sozinho, o resultado, marcado à tinta vermelha no canto superior direito da folha, era deprimente. Criança provavelmente não se deprimiria por causa de uma nota de redação, mas aquilo me incomodava, afinal, sempre quis ter bons resultados.

Um tanto quanto perdido, não sabia o que fazer. Aliás, sabia em partes. Eu tinha uma solução simples, mas que não seria tão fácil de obter: minha mãe. Ela escrevia bem, e poderia me dar uma ajudinha, pensava. E não tardava para que com o lápis preto e o caderninho de rascunho – nunca no meu período de alfabetização fazia minhas tarefas definitivamente no caderno – fosse amuado e com certo receio pedir à minha mãe para que me ajudasse naquela árdua missão.
Primeiro, ela lia o enunciado e tentava me ajudar a pensar uma forma de eu escrever o que tinha de sê-lo. Seu esforço em me ajudar era grande, recordo-me bem, mas eu continuava a não produzir nada. Perguntava quais minhas ideias sobre aquilo, o que me vinha à mente quando via aqueles desenhos. E eu patinava na mesma lama de sempre.

Até que um dia, depois de muita insistência, minha mãe tomou meu lápis – que eu já levava até ela muito bem apontado no Faber-Castel – e fez ela mesma toda a história. Meus olhos devem ter brilhado e meu sorriso tomou todo o espaço de uma orelha à outra. Ela leu para mim, e na minha opinião estava perfeito. Quer dizer, era demais para minha capacidade, e para a professora não perceber que não era eu que havia escrito, pedia para dizer as partes que ficavam excessivamente grandes ou de difícil leitura. Eu estava radiante, e para uma criança aquele gesto representava a eleição de melhor mãe do mundo.

Confesso que em algumas outras vezes esse fato se repetiu. Claro que ela sempre pedia que eu me esforçasse. Puxava minha orelha quando não fazia bem feito, chamava-me à atenção quando começava a distrair-me, e proporcionava os melhores meios para que eu tivesse uma boa educação. Ao voltar os olhos do hoje para o ontem, vejo como esse fato, de minha mãe escrever minhas redações lá no primário, foi importante para mim. Como foi importante ser envolvido por este véu, através dum gesto tão simples, de amor e carinho.

Se hoje tenho a escrita como uma das paixões de minha vida, cheirando a um vício sadio, é porque naqueles tempos o fardo da redação que eu deveria carregar recaiu sobre outros ombros. Foi compartilhado. Se por acaso devesse eu enfrentar todas aquelas pautas, poucas é verdade, mas infinitas à minha pequena razão, poderia ter sido esmagado pelo peso do dever de casa. E quando o peso é maior que as forças, ele vai pressionando até causar uma ferida, chamada trauma, e que demoraria muito para depois cicatrizar.

Hoje já não é mais minha mãe que escreve minhas redações, artigos, resumos e resenhas, não porque ela não mais o queira, mas por que seu filho cresceu. Não é ela que escreve diretamente, porque tenho certeza que de tudo o que dela aprendi, no fim das contas, alguma característica trago para o papel, como para este que agora vou findando. Uma lauda não passa sem que eu pense no que ela acharia, qual opinião – sempre verdadeira e criteriosa– ela emitiria. Tanto que a primeira pessoa a ler tudo aquilo que escrevo, com a minha forma característica, como gosta de dizer, continua sendo ela. Seja pelo papel ou pela tela do computador.

Tudo isso escrevo não para que seja lido pelas multidões. Simplesmente escrevo porque um dia não gostava de escrever. E foi minha mãe que tomou minha mão, mostrou-me o caminho, e não me deixou só. Naquele tempo em que o joelho vivia ralado, o rosto era desprovido de acnes e alguns tantos dentes ainda eram de leite, eu via naquele gesto de escrever de minha mãe um “favorzão” que ela fazia para mim. Hoje vejo naquele feito uma obra maternal, uma fagulha do Amor Divino, um grandioso gesto, sem beijos e abraços naquele momento, de muito carinho e amor. Por isso escrevo. Pois meu coração ama, e agradece. Obrigado, mãe!

Curitiba, 09 de maio de 2010
Edvaldo Betioli Filho

Comentários

Anônimo disse…
Olá Edvaldo, todas as vezes que leio aquilo que você produz, fico fascinado, pela leveza e pela profundidade do texto. Ainda neste momento ficava pensando. Como pode alguém escrever tão suavemente assim? Onde encontra tanta imagem para descrever os fatos? Mas no final da leitura fiquei sabendo. É também um pedacinho da sua mãe que deixou profundas marcas em toda sua personalidade. Eu não posso dizer o mesmo da minha mãe, pois ela não teve a oportunidade de estudar nos seus tempos idos de 80 anos atrás, mas com ela aprendi uma coisa: nunca desanimar frente as dificuldades, e buscar sempre as coisas com firmeza e determinação. Creio que cada uma delas deixam em nós suas marcas. Que Deus abençõe, hoje, a sua,a minha,as nossas mães. Elas são a maior bênção de Deus para nós. Parabéns pelo texto. Um grande abraço.
Margareth disse…
Meu filho querido...
Depois de passar, mas este dia das mães, com você, leio seus escritos. E claro me emociono (chorei mesmo) da mãe sempre forte diante das coisas “grandes”, me torno frágil ao ler seu texto. Escrever suas redações quando ainda no começo de sua vida escolar, foi um erro meu. Mas um erro de amor. Cometido por amor, pode ser aceitável. Eu sempre soube do caráter de meu filho, diante de minhas exigências. E no consciente de mãe, sabia que você nunca fugiria quando de idade adulta, de suas responsabilidades. Naqueles anos, cabia a eu oferecer ajuda... E de você sentir isso como forma de amor. Sendo assim filho, ajudando a escrever, você foi dia a dia, escrevendo sozinho e cada dia melhor, e creia tenho alegria e orgulho de saber que com meu auxilio naqueles anos, hoje foi criado dentro de você o amor pelas escritas. Meu filho, a gratidão que hoje você sente, também é minha, por você ser esse filho adorável.
E você sabe hoje distante fisicamente da mãe, se precisar de ajuda não pense duas vezes e grite: "Manhêeee, me ajuda?”.
Obrigada pela homenagem...
Te amo!
Anônimo disse…
Meu caro Ed...
Comunicar-te que adoro teus escritos e elogiar-te me permite dar graças a Deus por le-los e é dom que esta informatica me proporciona...
Tambem e sem que te sintas lisonjeado embarco nesses elogios expressos...
Neste teu texto, me revejo um pouco no meu passado..de criança..
Não pq minha mãe me os escrevia ou ate sugeria...antes.....era exigente e bem durinha...
Ela tinha uma outra forma de ajuda....que foi nos criar condições para crescermos e procurando nos proteger para o desafio futuro que a vida nos confrontaria...
Tive tambem dela o amor a compreensão e o perdão dos cabelos brancos que lhe fui semeando,
e até. me encarreirou para um local onde me sentiria feliz e alicerceria minha postura e futura educação...
Tal qual está acontecendo contigo..
a minha formação basica nasceu numa casa de Deus e sinto que aí bebi do Calice e me sinto iluminado!...(SVD)...
Enleva-me toda a prosa que colocas neste espaço e me surpreendo com a tua linearidade de pensamento leve e escorreito...
Ed...
deixo-te este recadinho:
Vai em frente e jamais deixes de olhar o passado, a raiz e a familia!
Parabens meu amigo...
abraço
Jalma
Anchieta e Michelen disse…
Oi irmão...
Parabéns por tanta dedicação!
Deus te abençoe sempre, que sua vida seja repleta de amor e fraternidade.
Você é exemplo de filho heim...
Um enorme abraço.
Seus amigos,
Anchieta e Michelen

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