A glorificação da mediocridade
“Ha-de
vêr o milionario
Brazileiro,
com mil tretas,
A
contar, com sujas côres
As
lendas dos seus amores
Com
as suas trinta pretas.”
Estes
são versos de Camilo Castelo Branco que, ao apresentar os figurões da região do
Palheiro, em Portugal, descreve o tipo brasileiro. É a visão que os
estrangeiros tinham – e têm – do brasileiro. Infelizmente, não é uma impressão
errada, mas somente evidencia uma característica que está encalacrada no
caráter de boa parte dos filhos desta terra: a mediocridade.
A
mediocridade tem sido consagrada como um mérito do brasileiro. Já está fazendo
parte da fisionomia cultural da nação e tida, além de normal, como algo a ser
venerado. Ser medíocre é estar no meio, colocar-se no mesmo nível da média sem
superá-la. O medíocre acomoda-se com o pouco: o pouco dever, a pouca honra, a
pouca virtude.
Para
entender como o brasileiro é medíocre, basta perguntar quem são os
protagonistas de nossa produção literária, ou melhor, quais foram os heróis
nacionais dos últimos 50 anos. Nesta lista veremos que o ponto comum é o louvor
à burrice nacional: preguiça, carreirismo, futilidade, malandragem,
desonestidade. Por qual motivo não temos referenciais de virtude? Justamente
porque trocamos as virtudes pelos valores, os deveres pelos direitos, o esforço
pelas facilidades escusas.
Perdemos
a capacidade de apreciar os méritos alheios. As qualidades e as virtudes dos
outros nos despertam inveja, crítica, difamação gratuita, até mesmo desejo de
destruição, dos quais só me aliviarei quando me deparar com a mediocridade e a
incompetência de quem antes estava acima de mim. Aí o gozo deriva de perceber
que o outro não pode ser melhor do que eu, e virtude na realidade consiste em
não ser melhor que ninguém.
Estamos
acendendo nossas velas para o imediatismo, nos prendendo aos problemas de ordem
prática, deles nos fazendo escravos e assim nos enfraquecendo aos poucos. Se
nosso povo não tem mais poder de reação é porque despreza os assuntos mais
elevados: cultura, arte, filosofia, religião. Qual o destino de uma nação que
não aspira à elevação, de um povo que não privilegia as coisas do espírito? Viver
no mundo da rotina esmagadora, de vocações frustradas, conformando-se com a
derrota e destruindo quem ousa rezar fora de sua cartilha.
A
necessidade de ter o sustento passou a ser vista como imposição e não como
dever. Sustentar a si mesmo e a sua família é um dever, mas preferiríamos não
nos preocuparmos com isso, fazendo com que outros obtenham o sustento por nós.
E aí nos regozijamos na ideia de direito: alguém que nos dê alguma coisa. O
trabalho passou a ser uma dura imposição externa, uma pena vinda dos infernos,
mas se invertermos o tabuleiro tudo fica bem: que alguém trabalhe por mim, pois
eu não quero trabalhar.
A
mediocridade brasileira evidencia que seus cidadãos são instintivos. O que é
instintivo é fugaz, frágil, falta-lhe personalidade, precisando sempre de uma
grande mão que tudo indica e tudo obriga a fazer. Basta ver o tamanho do
estado: um gigante que decide o que você compra, o que você come, o que você diz
e o que você pensa. Assim não pode haver outro destino a não ser a
imbecilização nacional. Resulta disso uma cultura cheia de mitos: canonizamos a
farra inútil do carnaval como patrimônio brasileiro, Paulo Freire é modelo de
educador e Luiz Inácio arquétipo de trabalhador.
No
altar que estamos a construir para a mediocridade, vamos canonizando o respeito
e esquecendo o amor. É urgente não respeitar os homens, mas amá-los. Todos
precisam, medíocres ou não, de amor. Amor é virtude que eleva o caído, que corrige
o que erra, que cala o julgamento quando não se é capaz de dar exemplo, que
incentiva quem merece e anima quem precisa. Sursum
corda! Elevemos o coração! Ou continuaremos rastejando no lodo da
mediocridade, desejando ainda ser o senhor das trinta escravas de Castelo
Branco.
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