Vivendo e aprendendo…

EU VI, EU VIVI

Capítulo I

Tia Amélia era daquelas senhoras que toda criança tem o prazer de detestar, mas sempre com a obrigação de parecer o contrário. Ela era solteirona, jamais teve marido ou se quer namorado. Dizia ela que seu estado civil era opção pessoal, mas era óbvio, até mesmo para nós crianças, que ninguém aguentaria viver com ela alguns dias que fossem.

Seu rosto era todo enrugado e quando vinha abraçar-nos, víamos seus olhos castanhos que sempre ficava detrás dos óculos que pendiam na ponta do nariz. Beijava-nos a ponto de deixar-nos marcados com aquele batom vermelho paixão. Cheirava a naftalina, e não era pouca coisa. Seus casacos Tia Amélia de pele, principalmente, impregnavam todo aquele odor estonteante.

Como não teve filhos, gostava muito de apertar nossas bochechas, sempre dizendo como estávamos grandes e perguntando por que não íamos a sua casa. Sim, ela perguntava isso, e nós ríamos depois, bem longe dela. Era óbvio o motivo de não irmos até lá: ela era simplesmente apavorante!

A casa de Tia Amélia não era comum. Era um casarão antigo e mal cuidado, que ficava bem no centro da cidade. Muita gente preferia trocar de calçada a passar em frente aquela casa de aspecto sombrio. A cidade crescia, os prédios eram erguidos, mas a casa de tia Amélia continuava no mesmo lugar, e com ela, irredutível.

O fato é que eu também detestava ir naquela casa. Fui apenas uma vez quando era criancinha, e mesmo assim detestei estar lá dentro. O pouco que ficou em minha memória foi o cheiro de mofo, a grande poltrona de veludo vermelho onde ela ficava sentada, um chá cor de água suja que serviu aos adultos, um relógio alto de pêndulo que a cada meia hora fazia um barulho assustador, e uma estante repleta de livros, de todos os tamanhos e cores. Fiquei o tempo todo junto com mamãe, e não dei um passo a mais.

Mas o tempo passou e alguns anos depois, quando eu já passava dos dez anos de idade, novamente fomos convidados a ir até o casarão de tia Amélia. Eu já era grande e por ser uma ocasião importante, onde muita gente estaria presente para o aniversário de tantos anos da velha tia, resolvi não fazer birra, mas acompanhei meus pais e vovó até aquele mítico casarão.

Estava naquela época quando todo menino é um caçador de aventuras, e aquele casarão era o lugar ideal para achar trilhas, desbravar matas, enfrentar feras com presas afiadas, decifrar enigmas, lutar contra aves que falam, encontrar o castelo de pedras, e por fim libertar a princesa que encantada me esperava no alto da torre: tudo como naqueles livros que eu adorava ler, como um pequeno leitor de Julio Verne gostaria de viver.

As coisas ordinariamente correram como deveriam ser, até quando me desvencilhei de minha mãe e saí caminhando por cima daquele assoalho barulhento, como um astronauta a explorar um planeta desconhecido.

Até que uma porta tomou toda minha atenção. Ela não era comum como as outras. Poderia dizer que era a única diferente. Era maior, mais robusta e bem esculpida. Tinha um trinco dourado, com um grande elefante gravado ao redor de onde se colocava a chave. Minha tentação foi maior que a prudência inexistente em crianças, e não resistindo, olhei pelo buraco da fechadura.

O pouco que vi lá dentro deixou-me ainda mais curioso e foi o suficiente para que, tocando aquela fria maçaneta, eu abrisse com cuidado a porta e entrasse dentro daquele lugar.

Fiquei boquiaberto, confesso. E mesmo que isso não seja difícil acontecer com uma criança, de fato sucedeu. Ao colocar meus dois pés lá dentro, em um só movimento a porta se fechou, fazendo um barulho que fez meus ouvidos doerem. Tentei abri-la novamente, mas não consegui.

Agora talvez eu entenda o porquê daquela porta ter se fechado naquele lugar e naquele momento. Fechava-se uma porta para abrir-se diante dos meus olhos e na ponta dos meus dedos uma lancinante experiência. É aqui que começa a história, e por mais que você não acredite em coisas que não tenha visto, eu te asseguro: embarque nessa. Pois essa aventura, além de ter visto, eu vivi...

* * *

Leitores e leitoras do Blog Diálogo Vivo, iniciamos com esta postagem a série “Eu vi, eu vivi”. Todos os textos e ilustrações são de autorias próprias do escritor. Todas as publicações serão ilustradas por alguma personagem ou cena desta aventura. Para engrandecermos nosso conteúdo, contamos com sua participação. Envie-nos seu comentário e sugestão para o e-mail (edvaldobfilho@hotmail.com) ou deixe aqui logo abaixo! Contamos com você!! Boa Leitura!!

Comentários

Sérgio Jr. disse…
achei seu blog pelo google, gostei e vou acompanhar essa estória. vai em frente
Unknown disse…
NOOossaaa gostei da historia
parabens
estou ligado em cada riqueza postada nesse blog Um abração Marcone castro

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