O MÁRTIR DA AMÉRICA

Devo aqui confessar que os santos dos tempos atuais sempre me encantaram. Para ser mais objetivo, refiro-me àqueles que ainda não possam ter sidos canonizados, que não estão nos altares de nossas igrejas, mas marcam admiravelmente os corações de um povo devoto e têm especial lugar na vida de muitos pelo modo de viver modelo e pelo exemplo que deixaram no século XX ou até mesmo neste em que vivemos.

Talvez por suas histórias terem se passado tão perto de nossa época e de nossos dias, fico com aquela boa sensação de que é possível, sim, ser santo como eles foram, talvez não nas circunstâncias em que eles viveram, mas com o meio que usaram para fazer aquele algo a mais: a fé em Cristo e o serviço incansável aos irmãos.

São homens e mulheres que souberam ler os sinais dos tempos e adapta-los ao seu modo de viver e ao seu apostolado, fiéis a Cristo, que passa a ser até muitas vezes difícil penetrarmos nas características de algum sem esbarrarmos em traços de outro.

O século XX foi repleto de tais seres humanos que cantaram a beleza da vida, a harmonia da criação, a grandeza do Criador. Por ser um período assolado pelas grandes guerras, pelo ódio fatal, pela ganância sem igual, afloraram também, e principalmente, dos solos banhados pelo sangue de tantos justos, flores, de beleza formidável, revestidas de caridade, ornadas de esperança, petaladas de fé, com o santo e agradável perfume da santidade.

Lembro-me de forma especial de um homem que soube ser profeta, místico e apóstolo. Terminou sua vida de dedicação pela causa do Reino como mártir. Lembro-me de Dom Oscar Romero, o Mártir da América, santo pelo povo e pela sua causa.

Oscar Arnulfo Romero y Gadamez nasceu no dia 15 de agosto de 1917, em Ciudad Barrios, El Savador. De família pobre e numerosa, entrou para o seminário com 13 anos, teve que interromper a caminhada vocacional para ajudar a família em dificuldade. Ao voltar, foi enviado a Roma para completar os estudos teológicos.

Padre Oscar levava uma vida simples, de total atenção a seus paroquianos e a todos os que necessitavam. Velava pelos enfermos, assistia os presos, ensinava religião nas escolas. Foi padre por 25 anos, tempo suficiente para que conhecesse a fundo e na pele a pobreza que tomava conta de todo El Salvador.

Contudo, sua vida começou a mudar em 1970 quando Padre Oscar foi nomeado bispo auxiliar de San Salvador. Sua posição moderada fez com que ele levasse a fama de conservador, mas não demorou muito para que todos conhecessem o Dom Oscar sereno, humilde e obediente, que lutaria até o fim de sua vida pelos irmãos.

Nessa época, El Savador, como a maioria dos países da América Latina, viva sob grandes conflitos internos, ás portas de uma ditadura militar. Em 1977 é nomeado Arcebispo de San Salvador. Em 1979 o presidente foi deposto, os militares assumiram o poder e aos poucos o caos se instalou. Em 1980, em três meses aconteceram 1015 assassinatos de salvadorenhos. Foi nesta época que dois padres jesuítas foram mortos por defenderem camponeses que a esses pediam abrigo. Não demorou para que definitivamente Dom Romero inserisse-se no centro do problema. Comovido com aquilo que via e sem medo algum, tomou sua cruz e partiu para cumprir sua missão, depositando sua fé totalmente em Deus.

Colocou sua voz a serviço do povo, através dos sermões transmitidos pela rádio, para ajudar a resolver o problema: queria a compreensão mútua entre todos. Ao mesmo tempo em que fazia nascer a esperança no povo, suscitava o ódio nos poderosos. Criticava a demora de um governo ineficiente que fazia vistas grossas às grandes dores do país e que dilatava a chaga da injustiça. Denunciava assassinatos, expunha os governantes à realidade que não queriam enxergar e mostrava ao povo quem eles realmente eram. Soube ser realista, perspicaz e corajoso ao enfrentar o sistema. Buscou a paz quase impossível em uma terra sofrida pela guerra. Sofreu com aqueles que dizia serem no mundo os filhos prediletos de Deus. E assim foi sua luta não somente na sua Arquidiocese, mas por todo o país, de forma que chamou a atenção, sendo ele indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 1979.

Jesus Cristo nos ensinou que o Bom Pastor é zeloso e fiel, não abandona suas ovelhas, mas por elas concede-lhes a sua própria vida. E Dom Oscar Romero, amante de Cristo e de sua Igreja, cumpriu a sabedoria do Mestre.

Diante de muitas ameaças, não recuou nem titubeou, mas defendeu seus ideais e pagou o preço de seu fidelíssimo apostolado. Indefeso, sempre dizia: “Quero correr os mesmos perigos que o meu povo corre”. No dia 24 de março de 1980, enquanto celebrava a Santa Eucaristia em meio aos doentes do Hospital da Divina Providência, Dom Oscar foi morto a tiros, fuzilado por um franco-atirador.
Ao elevar o pão, seu corpo foi sacrificado. Quando ofertava o vinho, seu próprio sangue verteu. Foi assassinado por interesses de outrem como o próprio Cristo, sem ser compreendido. E respondendo à pergunta do Senhor, bebeu do mesmo cálice que ele bebeu. Seu corpo estendido no chão foi o sinal máximo da radicalidade e autenticidade de sua fé. Sua morte, o símbolo do testemunho fiel até as últimas consequências à sua causa: o pobre e o sofredor.

Hoje, passados 30 anos de seu martírio, Dom Oscar é o símbolo da América que sofre, mas que batalha. De um discipulado exemplar e um testemunho encantador, ficará marcado pela eloquência de seu exemplo na devoção de todos aqueles que lutam pela causa do Reino. Em sua homilia momentos antes de sua morte disse: “Neste cálice o vinho se torna sangue, que foi o preço da salvação. Possa este sacrifício de Cristo nos dar a coragem de oferecer nosso corpo e nosso sangue pela justiça e pela paz do povo”.

Dom Oscar Arnulfo Romero y Gadamez, um santo dos nossos tempos, um daqueles que fizeram a diferença, viverá sempre na memória, e sobretudo, no coração do nosso povo. Como escreveu Dom Pedro Casaldáliga em 1980: “São Romero da América, pastor e mártir nosso, ninguém há de calar tua última Homilia!”

SÃO ROMERO DA AMÉRICA, ROGAI POR NÓS!

Comentários

Anônimo disse…
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