Atualizando...

O Real, o Relativo e a Doutrina.


"O Que é mais grave: relativizar o Absoluto ou absolutizar o relativo?"
Dom Hélder Câmara


Era uma vez uma criança de nove anos, que abusada sexualmente pelo nefasto padrasto, engravidou de gêmeos. Então alguns médicos resolveram por interromper a gravidez da pequena inocente, alegando risco de vida para a criança que carregava dois fetos em seu ventre. Surgiu então um arcebispo, que anunciou a excomunhão da equipe médica que assistia a menina e de sua mãe, que permitiu a decisão abortiva.

Eis que este acontecimento foi parar na boca de cada brasileiro, rodando não só por aqui, mas também pelo mundo afora. Tornou-se tema de debates. Cada um sentiu-se no dever de dar sua opinião (inclusive eu, que aqui o faço).

Todos se tornaram donos da razão quando o assunto era o aborto seguido de excomunhão em Recife. Choveram artigos em jornais e revistas. E a maioria destes fazia da Igreja o alvo principal, tratando esta Instituição como a ‘Geni’ da vez. Inclusive o presidente da república, que de chefe político também se tornou agora chefe moral da nação, exclamou em alto e bom som que a Medicina acertou e a Igreja Católica errou. Tudo foi dito. Pouco foi fundamentado. Criticar a Igreja pareceu fácil. Estar junto da Igreja pareceu impossível.

O primeiro erro, logo após o pronunciamento de Dom José Sobrinho sobre a excomunhão, foi terem insistido as críticas que o Estado é laico, ou seja, não religioso, e, portanto a Igreja deveria respeitar esta laicidade e não opinar na decisão da equipe médica. De fato, o Estado é laico, mas se comprometeu, em todas as Constituições desde a Proclamação da República, a respeitar a liberdade de crença e culto (cf. Artigo 5°, VI).

E a doutrina da Igreja Católica é clara. O catolicismo tem uma visão, do homem e da sociedade, apoiada nos Textos Bíblicos, na Literatura Patrística – dos Padres da Igreja, e no próprio percurso de sua história, ainda que acidentado, ao longo de seus dois mil anos de Tradição.

Destes três aspectos - Sagradas Escrituras, Magistério e Tradição - é fruto o Código de Direito Canônico, que no Cânon (Artigo) 1398 afirma: “Quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae”. Ou seja, quem provoca o aborto recebe excomunhão automática, sem que haja a necessidade de alguma voz eclesial proferir a punição. Talvez o único erro da Igreja tenha sido cometido pelo arcebispo de Recife quando foi precipitado demais ao sentenciar os médicos e a mãe da menina, quando o Direito Canônico já dizia tudo.

Seguir a Igreja Católica implica submeter-se a uma doutrina, a um conjunto de idéias fundamentadas e definitivas. Seguir e praticar. Por isso, não compreendi tanto rebuliço em torno desta excomunhão, pois uma excomunhão só diz respeito ao católico romano praticante, que aceita livremente o núcleo de sua doutrina, ainda que essa doutrina discorde da corrente de idéias de determinadas épocas.

Outro fato que me causa espanto é ver tantos ateus criticarem a Igreja. Se são eles os não-crentes, para que interferirem na doutrina dos que creem? Ignorância ou carência? Mas o pior de ver ateus e a toas vociferando contra a Igreja é ver os próprios filhos apedrejando a Mãe. O católico verdadeiro não teme ser chamado de retrógrado pela sociedade e defende as posições da Instituição a qual desejou seguir. Insistindo em uma comparação um tanto quanto forçada, é como aquela máxima de antigamente: Ame-a ou deixe-a.
Tornou-se necessário ser radical sem converter-se em um xiita. A sociedade propõe que tudo é relativo. Por isso chovem críticas sobre a Igreja. Porque ela é contra a ditadura do relativismo, uma doutrina que não admite a existência de princípios nem de valores absolutos. A Igreja possui uma identidade, e está de pé há dois mil anos porque mantém esta identidade viva, identidade que não mudará seus dogmas, inclusive o de que a vida é sagrada e a família é a base de tudo.

Outra questão incabível que li em diversos artigos é de que o Arcebispo de Recife, ao proferir a excomunhão, estaria condenando os excomungados ao inferno. Mentira. Dom José Sobrinho não condenou ninguém ao inferno. Nem o colégio episcopal, nem o papa têm poder de condenar quem quer que seja ao inferno. É uma atribuição somente de Deus. “Porquanto todos nós teremos de comparecer manifestamente perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba a retribuição do que tiver feito durante a sua vida no corpo, seja para o bem, seja para o mal” (2Cor 5, 10).

Mais um fato infundado que foi proferido por aí afirmava que a Igreja acobertava o estuprador, não impondo a ele a pena da excomunhão. De fato, o estuprador, que cometera grave pecado, não fora excomungado, pois nas leis da Igreja não existe crime mais grave que a morte. Entretanto, o padrasto que abusava da criança receberá também sua punição. A Justiça dos Togados está sendo feita já nesta terra, e a Justiça Divina também será feita. “E aquele que receber uma criança como esta por causa do meu nome, recebe a mim. Caso alguém escandalize um destes pequeninos que creem em mim, melhor será que lhe pendurem ao pescoço uma pesada mó e seja precipitado nas profundezas do mar. Ai do mundo por causa dos escândalos! Ai do homem pelo qual o escândalo vem. Não desprezeis nenhum destes pequeninos, porque eu vos digo que os seus anjos nos céus veem continuamente a face do meu Pai que está nos céus” (Mateus 18, 5-6.10-11).

Devemos reconhecer, enfim, que Dom José não deu opinião própria, nem falou absurdo algum, apenas foi transparente, afirmando a posição oficial da Igreja. Se médicos, jornalistas e presidente da república, ditos católicos, ficaram revoltados com a Igreja, isso mostra a incoerência em que vivem.

O mundo está contestando os valores. Está atribuindo um valor meramente relativo às circunstâncias de tempo ou lugar, a uma época ou cultura. Os 50 milhões de abortos praticados por ano em todo o Mundo, oito vezes mais que as vítimas do Holocausto, passam despercebidos aos olhos da sociedade. Para a Igreja, o aborto não é direito, mas homicídio.

A realidade é diferente da ficção. No ficcionismo nós podemos manipular pessoas, transformar realidades, permutarmos cenários e ainda assim, as consequências serão algumas outras linhas onde desenrolaremos a história para que se chegue a um coerente fim. No real não se tem rascunhos. O real, a vida real, faz com que tenhamos a obrigação de viver coerentemente, para que os resultados de nossas ações não se tornem uma bomba auto-explosiva. São-nos propostos caminhos (Cf. Dt 30, 19). Alguns tomam um e seguem-no. Nós, verdadeiros católicos, seguimos nossa doutrina, deixando todo o relativismo de lado, defendendo nosso catecismo, buscando viver a realidade como Cristo nos ensinou: “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em plenitude”.


Dado em Cornélio Procópio (PR), dia vinte e nove de março, Quinto Domingo da Quaresma do Ano do Senhor de 2009, septuagésimo sexto dia de nosso noviciado.



Edvaldo Betioli Filho
Noviço Palotino

Comentários

Anônimo disse…
Realmente um caso que chocou o País.... mas a minha visão leiga, vai ao encontro da sua Edvaldo... Não era preciso tanta publicidade ao declarar um fato que se realiza de maneira automática dentro das leis da igreja católica. Partilho o sofrimento pelo qual essa menina passou, queria eu poder fazer algo para lhe restituir a dignidade que lhe foi tirada e o amor de que ela precisa ainda mais.

Margareth
Jalma disse…
Pois ED.....
tb concordo com teus pontos de vista...
Mas é normal e facil criticar quem ao longo dos seculos promeve o Amor...
Os "media"
quase nunca apoiam as Virtudes...

afoitam-se pela noticia facil. sem aprofundamento, e por norma abordam tudo pela superficialidade...
e se impacto houver se sentem "herois"... e mais vendem...
Parabens pelo teu artigo..vale..10!!!
Jalma...

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