Contextualizando...

Ao amigo Lucas, já que faltava um pouco de política por aqui...!


O virada
do rei


Costumam dizer que a voz do povo é a voz de Deus. Não querendo entrar em particulares detalhes e populares crendices, de verdadeiro não sei se deve haver mais algum elemento nesta afirmação, que de tão usada e passada, acaba tornando-se – infeliz e erroneamente, na minha desprezível opinião - uma verdade até mesmo imutável. E é da boca do mesmo povo que surge, quer seja na orla de Copacabana ou na oca do Pará, expressões que insistentemente grudam nos vocabulários das ruas e ruelas de toda a cercania verde amarela e quiçá de todo o orbe, num impulso natural da necessidade de comunicar as relações humanas cada vez mais descambadas.

Contudo, o fato é que nem tudo o que está na boca do povo é dotado de certa coerência ou provido de um fundo de verdade. Mas o mesmo povo não tarda em perceber, ainda que demore a manifestar-se contra ou a favor, as verdades da vida.

Proponho então um exercício de imaginação ao amigo leitor, para que facilite o desenrolar e a compreensão dessas palavras esvoaçantes.

Imagine: e se durante
a corrida espacial da Guerra Fria, quando o império americano fez o homem pousar na lua, Neil Armstrong retirasse, por uma sutil colaboração financeira da nação de Lênin, do bolso de seu macacão espacial – se é que eles possuem bolso – ao invés da bandeira estrelada e listrada de vermelho e azul, à qual ele jurara respeito e lealdade, e fincasse uma outra, aquela laureada de uma foice e um martelo? Quanta decepção seria!

Sem nos deter nas conseq
uências mais catastróficas em esferas políticas, econômicas, relacionais, pensem na reação do povo. Tudo o que Armstrong teria dito iria por água abaixo. Todas as farpas trocadas passariam ao pó. E todos nós, reles, desejaríamos que ele e a farsa ficassem isolados junto de São Jorge e seu dragão naquela terra, ou lua, de ninguém. Ele seria aclamado por unanimidade um vira-casaca!

Suponha que um flamenguista fanático passasse a ser corintiano ao ver o urubu ser derrotado pelo mosqueteiro. Como ele seria chamado? Vira-casaca!

E se Maradona em uma de suas Copas fizesse um gol contra proposital, a favor da seleção canarinho, para receber em troca alguma coisa que aqui é melhor não escrever? Vira-casaca!

E mais uma: se um petista militante declarasse que a partir de hoje seria tucano fanático por uma cadeira no Congresso? Vira-casaca, na mosca, sem sombras nem
dúvidas.

São muitos os exemplos de casos que surgem neste exercício de imaginação, todos em especial disputa, que poderíamos conferir o título de vira-casaca, retratados pelo ‘Aurélio’ como “indivíduo que troca de partido ou de idéias, de acordo com as conveniências próprias”.

Pois bem, todos esses receberiam o sábio título, inventado pela camada popular, de vira-casaca, afinal, a voz do povo é a voz de Deus, certo?

Errado. Errado, pois lamentavelmente a
voz do povo está deixando de ser a voz de Deus, logo que o povo não tem mais voz. Não porque Deus tenha deixado e existir, mas porque o povo está cada vez mais acostumado com tantos interesses sensivelmente equivocados que passa agora a ser comum tornar-se um vira-casaca com as suas propriedades negativamente regressivas. De veras regressivas, logo que analisando todas às vezes quando acontece essa mudança de posição, de idéia, de valor - essa troca de camisa ou bandeira - acaba surgindo quase sempre uma regressão, caminha-se para trás, dá-se marcha ré na impressão enganosa aos olhos alheios de que a primeira já está engatada.

E é mais ou menos isso, mais ou ‘menos pior’ como diria um refrão de samba, o que está acontecendo por aqui, onde tudo parece estar dando certo, indo bem. Aqui, onde se acaba criando então um castelo de mentiras. Uma fortaleza de ilusões. Um rei que, estando nu, esconde-se atrás de um
artefato permutado em pirotecnia para que ninguém veja sua deficiência: a sua ação de virar a casaca, de abandonar ideologia, de mudar de lado. Ilusão imaterial fundada em uma poça de lama. Ou melhor, de óleo.

Agora, portanto, deixemos a imaginação de lado e mergulhemos na realidade, no nosso dia a dia, para percebermos
até que ponto chegou o mandatário máximo de nossa república.

O excelentíssimo senhor, há dois anos, passou a repetir mundo afora que o Brasil seria a nova potência pois tinha em mãos a cana de açúcar e até aquele momento o mais que bendito etanol. De seu trono cada vez mais elevado pelo combustível chamado de bio, emastrou bandeiras verdes, que brotavam de uma promessa verde, para um desenvolvimento que desembocaria num futuro verde. Interessaram-se nações diversas naquela que po
deria ser uma alternativa viável ao ciclo do petróleo que, segundo o mandatário, tinha seus dias contados. O nosso era melhor que de todos, inclusive superior ao do companheiro Bush, que, aliás, no mesmo ano de 2007 foi acompanhado pelo excelentíssimo a uma usina da gigante estatal brasileira. Parecia que definitivamente o Brasil caminharia para frente.

Entretanto, como dizia o sábio, o brasileiro gosta de levar a vida entre paradoxos. E o operário engravatado do Planalto tomou a frente, assumiu a lider
ança, deu o exemplo de máxima ‘vira-casaquice’. Bastou George virar as costas e ser anunciada a descoberta das gigantescas reservas de petróleo que o presidente mudou de lado, inverteu o tabuleiro, vestiu outra camisa.
E atualmente, em setembro a pino, ele fez festa para anunciar que agora o Brasil será a nova potência mundial. A promessa ainda é a mesma de dois anos atrás, mas os meios para que isso aconteça mudaram to
talmente.

Agora o óleo é a menina dos olhos do rei, e as reservas de Tupi e companhia as pupilas do senhor reitor. Que se parta para as favas tudo o que foi dito e maldito sobre o petróleo. Se ele era ruim,
decadente, sem futuro, sujo e obsoleto, agora não o é. Se o etanol avançava como o ponta de lança de antigamente junto com a propaganda, que se breque o primeiro, e que se amplie o segundo. O excelentíssimo diz para o mundo, interessados já na cana de açúcar, que continuem consumindo petróleo, sem parar, e de preferência, do nacional quando ele vier a jorrar na superfície do mar.

De nada valem as informações de que o bio é mais limpo, mais sustentável, mais viável. O que se torna importante não
é a problemática que nos espera no futuro – agora papo de ‘ecochato’ – mas a ‘solucionática’ monetária, o lucro imediato, a força instantânea, o poderio mundial. E se todos os problemas se resumissem somente nisso seria relativamente simples, mas com os poços pré-sal vem à questão o modo de exploração: a partilha ou concessão; a euforia, a super estatização na exploração e... o risco da regressão, como em todo o caso quando se muda de lado!

O magnânimo molusco de faixa presidencial pulou o muro e permutou rapidinho seu ideal, simplesmente pelo poder do poder. E por mais impac
tante que isso seja não é de assustar. Basta olhar a trajetória da agremiação à qual ele faz parte. Compare o PT de ontem e o PT de hoje. Mais um exemplo real e boçal, que faria frutificar um outro artigo exemplificando a arte da substituição dos princípios por vultos monetários.

E escrevo tudo isso para concluir com os olhos voltados para o povo, o mesmo que fora comentado nos primeiros parágrafos. Será que a maioria tornar-se-á sensível a esta interesseira metamorfose? Será que as urnas refletirão as consequências das atitudes do hoje ou será que triunfará o candidato poste na sucessão presidencial?

Nunca antes na história desse país tivemos um caso – tal que me faz tão descrente em relação ao povo e à política - tão explícito de uma pessoa vira-casaca, na mais pura e crua realidade, sem necessidade de exercíci
os de imaginação. E esta pessoa é o nosso presidente. O presidente que fora escolhido pelo povo. O povo que era portador da graça de ser a voz de Deus.

Logo se vê então porque a voz do povo não é mais a voz de Deus. Deus com certeza não teria a capacidade de pular o muro para ir atrás de seus próprios interesses, negar seu passado, e ainda por cima sujar seus pés no óleo da ganância. Dado em

Cornélio Procópio, dia dezenove de setembro do ano do Senhor dois mil e nove.
253° dia de nosso noviciado

Edvaldo Betioli Filho
Noviço da Sociedade do Apostolado Católico

Comentários

Anônimo disse…
Edvaldo Filho....Excelente artigo!
Claro, objetivo, acima de tudo, consistente e oportuno. Depois de ler este ARTIGO, não me atrevo sequer a tentar mudar uma virgula..!
PARABÉNS....

Margareth (Mãe, orgulhosa, pelo filho que tem).
Anônimo disse…
Edvaldo,que é Filho,por ser meu filho,apesar de ser partidário desse governo atual,suas palavras refletem como é a maioria de nossos políticos,nossos governantes.São eles que fazem as leis,mas ás vezes segundo algumas conveniências.Permite-se assim que se tornem vira-casacas,pois as mesmas leis os acobertam.
Parabéns.

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