Dedico estas singelas linhas à minha mãe.
A ela, que me ensina mais do que cem professores!
A ela, que me compreende até quando não falo!
A ela, que me dá o mais precioso dos presentes: o amor!
A ela... Feliz dia das Mães!


“Vou pronunciar o teu nome quando estiver sozinho, sentado entre as sombras dos meus pensamentos silenciosos. Vou pronunciá-lo sem palavras e sem motivo. Sou como uma criança que chama cem vezes por sua mãe, alegre de apenas de poder pronunciar ‘mãe’”.
(Rabindranath Tagore)

O menino e a mulher


Fazia frio naquela que era uma das primeiras noites de maio. Frio que era capaz de matar, homens e desejos. Contudo, existiam dois corações que teimavam, insistiam, em permanecer dentro de si aceso o fogo da esperança.

Comecemos observando aquela ponte, no centro daquela grande metrópole, que havia se tornado o abrigo de seres que para muitos tinham perdido a dignidade. Muitos ali viviam quase como ratos, padecendo como seres humanos. Naquele lugar, onde o maior amparo era a marquise e o maior alento os pedaços de papelão que tentavam isolar as correntes de vento, viviam pessoas de carne e fome, osso e frio, com um passado esquecido e um presente jamais contemplado.

Um pouco menos de uma dezena de indivíduos vivia ali, entre eles, o menino. Sem nome para nós, nome que não importava para ele. Simplesmente o menino. Sua idade também era desconhecida, talvez uma década de vida, anos de puro padecimento que ainda assim não tiravam o brilho de seus olhos.

Vivia ali não por escolha, mas por necessidade. Abandonado quando pequenino, não conheceu quem lhe dera a vida, lembrava-se apenas da namorada daquele que dizia ser seu pai. Nunca compreendera o significado da palavra pai ou mãe. Para ele, tudo isso era invenção daqueles branquinhos de olhos azuis e cabelos penteados que via dentro dos carros que passavam naquela avenida.

Cresceu mais na rua que em casa. Casa, aliás, que não poderia denominá-la de lar. Lá ele viva sob os açoites daquele que há pouco tempo viu estendido no chão, com uma bala que tomou sua cabeça por alvo, simplesmente por não ter pagado algumas poucas pedras dos homens lá do alto do morro. Observou o sangue escorrer, o liquido escarlate derramar-se por sobre seus pés, mas não sentiu lágrima alguma escorrer em sua face. E não sentia necessidade de chorar, tudo continuaria, afinal, igual. Para o menino, a rua permaneceria como morada, a esmola como consolo, a fome como companheira, o escárnio como amigo.

A vida do menino teria tudo para ser mais uma entre várias que acabariam em uma Febem da vida. Inevitavelmente ele, segundo o determinismo, em algum instante infeliz, cometeria um delito, seja ele qual fosse. Seria costumeiramente machucado e sua vida continuaria a mesma, assombrada por um futuro onde a única perspectiva era o fim.

O menino não tinha estudo, estava ele nos índices de crianças fora da escola, que ainda era grande. Mal sabia escrever seu nome e quase não podia ler, o que fazia gaguejando. Mas naquele dia em que o lusco-fusco já cobria todo o céu, ele voltava para seu viaduto, pensando em um anúncio, que com dificuldade lera estampado em uma grande loja de departamentos: Promoção Dia das Mães. Ora, pensou ele, como seria esse tal de dia das mães? Como seria, ao menos, ter uma mãe? Ou o que significa, realmente, mãe?

Ele de veras não sabia e cabisbaixo indagava-se de tudo isso na sua pequena ignorância. Se um dia pudesse conhecer o significado da palavra mãe... Deveria ser algo verdadeiramente importante, pois aquele anúncio de loja era decorado com um enorme coração e dentro dele, uma mulher que sorria ao ser abraçada por duas crianças. Ainda que renegado, o menino tinha consciência de que todos esses símbolos que latejavam agora em sua mente significavam outra coisa que ele nunca sentira na pele, mas que sempre ouvira dizer que existia: o amor.

Ele estava abalado por esses pensamentos tão adultos para uma criança que decidiu não mais quedar-se naquele lugar onde já se reuniam seus companheiros, mas quis voltar àquela loja que ficaria de portas abertas até mais tarde por causa dessa data comercial que se aproximava. Lá chegou e em frente de sua vitrine sentou. Vislumbrava aquela cena e imaginava-se no lugar daquelas crianças. Em seus devaneios de infante ele realizaria seus sonhos, sem sair daquele lugar.

Naquele mesmo dia, naquela mesma metrópole, naquela mesma loja trabalhava a mulher. Seu nome também não nos importa, simplesmente a mulher. Tinha um trabalho bom naquele comércio, num lar aconchegante vivia sozinha, sem marido ou filhos, sem pais ou irmãos. Já tinha certa idade, que também pouco nos interessa. Era solteira, os pais que ela muito amava morreram cedo e sem parentes próximos, desde cedo trabalhou para seu sustento. Hoje, quando a meia-idade batia à sua porta, sentia falta de transmitir o afeto que recebera de sua mãe.

A mulher também foi tocada por aquele anúncio publicitário que estava decorando a sua vitrine. Que belo sorriso que aquela mulher portava, sorriso decorrente do abraço dos filhos. Filhos... Como seria ter um filho, uma cria, um rebento, um ser que em seu ventre seria gerado? Mas a vida, pensava ela, não lhe dera essa felicidade. Devia contentar-se com sua solitária existência.

Naquele gélido início de noite, a mulher foi tocada pelo crepúsculo que tomava conta do céu. Que espetáculo da natureza, pensou ela, como nunca pode perceber isso? Como tinha sido insensível! E saindo do lugar onde estava, dirigiu-se decididamente até a porta do estabelecimento para observar aquele céu entre os prédios que pareciam querer alcançá-lo.

E aquele céu que se figurava incandescente não conseguiu prender mais sua atenção a partir do momento que de canto de olho viu uma criança, miúda, insegura, sentada na calçada observando aquele anúncio que ela também há poucas horas dispensara sua atenção.

Ao ver o menino, em farrapos, tremendo de frio, desamparado, com os olhos vidrados naquela cena publicitária, encheu-se de um sentimento inexplicável para ela, mas que conhecemos por compaixão. E tomada por essa força, comovida, a primeira atitude que teve foi tirar seu casaco e pôr sobre as costas do menino. No mesmo instante, ele pareceu despertar de uma hipnose. Seus olhos voltaram para os olhos da mulher, que estavam marejados e ele, inesperadamente, pôs-se em pranto também. A mulher e o menino, sem cerimônia alguma, mas com candura, se abraçaram. Como a mãe que ele nunca tivera. Como o filho que ela nunca possuíra. E o céu, que deixava sua paleta de cores de lado para cobrir-se com a escuridão fazia-se de deleitável pano de fundo.

Ela nunca tivera a oportunidade de ter uma criança em seus braços, não sabia o que era ser mãe. Mas tomou-o para si, afinal, toda mulher, no âmago de sua alma, é mãe. Pois sabe amar, sabe dispensar carinho, sabe acolher, sabe afagar. Mesmo que todo o amor seja destinado para alguém que não saiu de seu ventre. Mãe adotiva, por causa justa. Não tinha sido mãe no princípio, mas agora seria, afinal, maternidade é irreprimível. Maternidade não tem fronteiras, não tem cor, não tem preferência, não tem distinção. São criaturas divinas, reflexos do Amor Maior. Bastam a si mesmas. Tem por bandeira o amor. Por devoção a esperança. E exalam o perfume da paz. Ainda que embalem uma criança, que corrijam um jovem, que caminhem com um adulto, que zelem por um idoso, que velem por um ancião. Toda mulher é mãe.

E ele, nunca tivera oportunidade de ser amado. Era o reflexo da situação do mundo. Ele estava sedento por amor. E como filho, acolheu tudo o que ela pode conceder-lhe. Soube retribuir. Soube agradecer. E agradeceria pelo resto de sua vida. Como soldado que ferido na guerra vê socorro próximo de sua chaga, ele via chegando socorro à sua fraqueza o amor da mulher. Agora o amor de sua mãe.

Então voltemos ao início.
Fazia frio naquela que era uma das primeiras noites de maio. Frio que era capaz de matar, homens e desejos. Contudo, existiam dois corações que teimavam, insistiam, em permanecer dentro de si aceso o fogo da esperança. Esses corações poderiam ser de uma gama de pessoas, mas aqui eram do menino e da mulher.
O menino que era agora o filho.
A mulher que era agora a mãe.
Por amor.



“Quem é bom, tem coração de mulher. Quem ama, tem coração de mãe”(Pe. Gambi)
Dado em Cornélio Procópio (PR), aos dez de maio, sexto domingo da Páscoa, dia das Mães, do Ano do Senhor de 2009.120° dia de nosso noviciado.


Noviço Edvaldo Betioli Filho



Comentários

Anônimo disse…
Edvaldo... Esse conto, ao ler deixa-me muito orgulhosa, pela primeira vez, não sei nem, o que dizer... Elogios? Sim todos, mas todos mesmo. Pois em cada pensamento destas suas escritas, em cada linha sentia, não só o meu filho a escrever, mas o homem que você está se tornando. Hoje não sei se saberia diferenciar o que você escreve, das demais pessoas. Lembra? Como a mamãe sabia o que você escrevia?Hoje meu filho mudou... Esse dois ano longe de ti senti essa mudança..mas nem pense que deixaste de ser meu menos meu viu?
Cada ano que passa lhe admiro mais, pela sua postura, pelo belo homem que está se tornando, por tudo que você é principalmente meu amigo. Continue conquistando seu espaço na sociedade com muita garra, seguindo sua vocação com amor, ao nosso Criador. Pois o mundo lá fora, nem sempre é como gostaríamos que fosse. Essa sua mãe, a cada dia aprende e compreende o verdadeiro papel de ser uma mãe cristã, como você está aprendendo a conhecer seu papel como filho, e como homem de Deus. Tenha a plena certeza de que você é muito respeitado e amado. Se tristezas acontecerem no decorrer do seu caminho continue o grande desafio, que é viver, e seguir os caminhos de Deus. Enfim... PARABÉNS. E Obrigada pelo carinho dessa homenagem.


TE AMO.

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